O Fenômeno da Camiseta

Abordando a importância da camiseta em toda a sua trajetória, o autor vai descobrindo que além de mero vestuário, a camiseta se torna ícone de conforto, praticidade e estilo ao longo do tempo, seguindo e adaptando-se às constantes transformações sócio- culturais de forma diferencial, elevando-se ao status de peça essencial à sociedade contemporânea.

Estas linhas vêm da vontade de falar sobre algo que não tivesse apenas o objetivo de mostrar os poderes e virtudes de um estilista ou explicar o que as pessoas usavam em determinada época. De explorar um tema que dissesse algo a todos, que olhasse para um horizonte que fosse além dos mecanismos moda, das tendências, das cores ou estações.

Tentarei expressar aqui o valor e a importância de uma única peça de roupa. Uma peça que acompanha a todos, em todas as épocas, faça chuva ou faça sol. Que já passeou por outras décadas, outras vontades, outras necessidades, ideologias, se mostrando ou se escondendo. Que, de maneira espetacular, consegue fugir de regras e preconceitos e se coloca num patamar privilegiado, conquistado pela vontade coletiva de várias gerações. Ela é roupa, é porta-voz, é política, é chique, é simples, é masculino, é feminino. É o que for preciso. Sim, nossa fiel companheira, a camiseta.

Trajetória

A camiseta não apareceu das aspirações de alguma época ou de ideias revolucionárias de algum estilista. Feita, a princípio, para simplesmente não aparecer, era usada como “roupa de baixo” para proteger as camisas do desgaste e das inconveniências da transpiração, além de servir como uma proteção para enfrentar dias de temperaturas menores com as roupas tradicionais.

No Brasil, na época da colonização, a camiseta começou sua trajetória conhecida como “coisa de português”. Os colonizadores, ao chegarem ao país e depararem com nosso clima de temperaturas bem diferentes das europeias, se viram obrigados a tirar todas as suas roupas pesadas e exibirem apenas suas roupas de baixo – sim, a própria. Foi quando a camiseta apareceu, sem roupa alguma para cobrir suas formas. Estava lá, ela, para quem quisesse ver. Mas seu prestígio ainda estava longe de ser reconhecido.

Foi na década de 60 que a popularidade da camiseta estourou. Seu sucesso veio dos ares desafiantes dos jovens, que contestavam tudo e todos, colocando em questão os valores de toda uma sociedade. No meio de todas as rebeldias e da luta contra o que, até então, havia sido proposto como comportamento, os jovens decidiram que as camisetas não iriam mais se esconder embaixo de qualquer outro pedaço de tecido. Ela tinha que aparecer e dizer a todos que agora seria assim, não importando o que a sociedade pensasse. Aliás, melhor se pensassem ao contrário.

Todas as mudanças de comportamento que aconteceram nos anos 60 geraram uma nova sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que a sociedade industrial avançava e os meios de comunicação – que também tiveram sua explosão nesta época – quebravam os valores e introduziam uma cultura uniforme e sem fronteiras. É então que, conscientes desse novo e promissor mercado consumidor, as empresas passam a criar produtos específicos para os jovens, que, pela primeira vez, tiveram sua própria moda. E, como a regra era contestar, a moda dos jovens era não seguir moda.

Agora, sim, o terreno estava pronto para a camiseta entrar em ação. Tudo o que ela precisava para sair, de vez, debaixo das camisas e aparecer para o mundo estava armado: o desejo de contestação dos jovens e o mercado e a indústria, prontos para atender às suas necessidades de consumo. Desde então, a camiseta faz parte do guarda-roupa como peça indispensável a qualquer pessoa, de qualquer classe social, sexo ou ideologia.

No Cinema

Em uma das cenas do filme “Aconteceu Naquela Noite”, o personagem de Clark Gable tira o paletó, a gravata e, em seguida, a camisa. Para a surpresa de todos, não estava lá, embaixo de tudo, a tão usada camisa-de-meia, mas apenas o torço nú do galã. Foi o que bastou para que caíssem as vendas das camisetas por um período. Para ajustar as contas do cinema com a indústria das camisas-de-meia, chega Marlon Brando em “Uma Rua Chamada Pecado”, usando calças e apenas uma justa camiseta branca. Nesta época as camisas-de-meia já tinham uma modelagem mais atual, parecida com a letra “T”. Agora elas eram conhecidas como t-shirt e serviam de inspiração.

O segundo da fila a dar sua contribuição à camiseta foi James Dean. No filme “Juventude Transviada”, de 1955, o ator faz o percurso completo: começa com uma camiseta branca usada debaixo da camisa social e um paletó escuro. Depois, a cobre apenas com uma jaqueta de nylon, até exibí-lá sozinha, na sequencia final do filme. A própria história de “Juventude Transviada” já começava a mudar os olhos dos jovens para um novo tipo de comportamento, mas numa rebeldia mais ingênua do que a ocorrida de fato na década seguinte. Através destes galãs, a camiseta começou a ser associada como um símbolo sutil de erotismo. A linhagem de atores que começou com Brando e James Dean e ramificou-se em Paul Newman e Steve McQueen, passou a abranger adiante ídolos como Mickey Rourke, Cristopher Lambert, Matt Dillon, Tom Cruise, Sean Penn entre outros. E de lá pra cá, as estrelas do cinema vêm marcando a presença da camiseta, geralmente realçando seus contornos em busca de uma imagem mais sexy e desejada. Sigourney Weaver de calcinha e camiseta em “Alien – O Oitavo passageiro” e Kim Bassinger, repetindo a dose underwear e t-shirt em “Nove e Meia Semanas de Amor”, trazem suspiros à sétima arte.

Nas Artes

Nas artes podemos começar com Michelangelo. Se repararmos em uma de suas mais incríveis esculturas, “Lo Schiavo Morente”, todo esculpido em mármore, veremos o corpo nú de um jovem atlético e de cabelos cacheados, usando uma única peça de roupa: uma camiseta. Monet, em sua tela “No Barco”, de 1874, também retrata a camiseta e depois dele, em 1881, Renoir recria a beleza da vida elegante junto da natureza e ao redor de vinhos na pintura “O Almoço dos Remadores”, com homens vestindo regatas.

Criticando o consumo, os artistas da pop art na Inglaterra, passando pelos EUA, fizeram da camiseta obra-de-arte e veículo para a arte. Andy Warhol é o nome mais importante deste movimento, usando e abusando das camisetas e das imagens de Marilyn Monroe, Liz Taylor, Mao Tse Tung, entre outros. Estava descoberto um filão que seria usado infinitamente pelas confecções e lojas de todo o mundo. Para eles, quem não tinha condições de ter um Picasso ou um Monet em casa poderiam tê-los nas camisetas. É a democratização da arte. Já pensar na camiseta como obra-de-arte, isso seria questionável.

Em uma exposição sobre arte e moda chamada “Viés”, que aconteceu na Galeria Vermelho, em São Paulo, em 2005, uma das obras expostas consistia numa arara de roupas com camisetas e outras peças usadas. Se um visitante gostasse de alguma peça da obra, poderia levá-la para a casa e deixar uma sua no lugar. Neste contexto, poderíamos, sem restrição, dizer que a camiseta, ali, é arte. De resto, há o que se pensar.

Na Música

Para a música, a roupa sempre significou mais que um simples tema, principalmente para o rock. E foi no cenário pop da segunda metade do século que a roupa e o rock se encontraram num casamento feliz e duradouro, onde a camiseta surge como uma peça considerada muito mais que uma vestimenta, mas uma verdadeira bandeira cultural. Em uma edição da década de 80, a revista Rolling Stone, medidor e porta-voz do rock e da contracultura, registra:

“As camisetas são os trajes definitivos do rock. São os tambores falantes dos anos 70 e 80, significadores de dez dólares, identificadores ideológicos.”

Uma questão interessante é a briga entre a música e o cinema pelo crédito de ter iniciado a moda das camisetas. Antes de Marlon Brando encarnar Kowalsky vestindo uma justa t-shirt, o trompetista de jazz Chet Baker já teria o hábito de aparecer em público usando a peça, à qual sempre foi fiel. Podemos citar, também, Bob Dylan, que na capa de seu disco “ Highway 61 Revisited, de 1965, ostenta uma camiseta por baixo de uma jaqueta de couro de motoqueiro.

Como fenômeno de massa, as t-shirts refletiam a mudança de mood à partir dos anos 70. A nova tendência era para uma convergência e democratização da moda. E quem selou, definitivamente, essa passagem do hippie-indiano e tribalista para a nova realidade foi um outro roqueiro, John Lennon, com a famosa declaração à revista Rolling Stone: “O sonho acabou”. Ele mesmo trocou as exuberantes indumentárias dos Beatles pelo trio jeans, tênis e camiseta, que se tornavam os novos ícones universais da vestimenta. E após todas essas décadas, a música e a camiseta continuam juntas. Ao que tudo indica, continuarão neste casamento feliz por muito tempo.

Na Política

A camiseta demorou para entrar para a política. Isso porque, antigamente, suas funções eram apresentadas nos bastidores. Como já abordado anteriormente, a camiseta antes servia para proteger o corpo, aquecendo-o e preservando-o contra a transpiração. Na verdade, para a política a camiseta serviu mais como veículo – aliás, veículo perfeito para manifestações.

A descoberta das ricas possibilidades de utilização da camiseta como veículo na política foi espontânea e intuitiva. Seus pioneiros mais remotos foram, provavelmente, os jovens ativistas do movimento nuclear que, principalmente na Inglaterra, inscreveram a famosa palavra-de-ordem “Bang the Bomb” em suas camisetas. No começo dos anos 60, jovens militantes norte-americanos já se solidarizavam com as lutas do Terceiro Mundo pela libertação, trazendo no peito as palavras de advertência “Hand Off Cuba!”. Por fim, as camisetas com estampas de Che Guevara e sua famosa citação “Hay que endurecer-se, pero sin perder la ternura jamás!”, que se tornaram um ícone do movimento político da época.

De todas as palavras-de-ordem que circulavam nos Estados Unidos estampadas nas camisetas dos jovens, a mais célebre foi, sem dúvida “Make Love Not War”. A princípio, um protesto contra a guerra no Vietnã, numa perspectiva de simples bom senso, essas palavras ganharam novos sentidos e amplas conotações, transformando-se numa mensagem existencial compartilhada por toda uma geração que pretendia não só transformar o mundo, mas também mudar o interior das pessoas. No Brasil, podemos pensar em política e camisetas nas campanhas das “Diretas Já”, onde esteve exemplificada a sólida relação da camiseta com os movimentos de massa. A palavra-de-ordem das “Diretas já” sofreu, num primeiro momento, um boicote por parte dos veículos de comunicação tradicionais. Foi preciso o movimento espalhar-se por toda a população e muitas camisetas de protesto para que a mídia mostrasse o que estava acontecendo.

Hoje, as camisetas servem às mais diversas causas e não somente às mais libertárias, como em outros tempos. Sua eficiência como meio de comunicação de massa acabou sendo reconhecida pelo próprio Sistema. A camiseta, com seu charme e seu poder, veio para a política, como no resto, para ficar.

Na Moda

É na metade da década de 60 que a moda enxerga nossa t-shirt, quando o unissex ganha força e a dupla jeans e camiseta começa a se estabelecer. As características de praticidade, mutação e conforto da camiseta a fazem, mais do que acompanhar a moda, pairar sobre ela. Assim, se torna distinta, por exemplo, de outra peça de roupa com trajetória igualmente calcada na rebeldia: a minissaia. Enquanto esta admite variações sobre sua forma, a camiseta consegue ser eterna. Não navega às mudanças das tendências e, graças a isso, não vai e volta à moda. Ela simplesmente fica, conseguindo ser clássica na forma de se apresentar, é extremamente criativa no modo de ser. Absolutamente tudo pode estar impresso numa camiseta. Das sopas Campbell’s da pop art de Andy Warhol a cantores de rock, ídolos, slogans ou mesmo nada.

A partir dos anos 60, a camiseta passou a desfilar nas passarelas da moda com grande desenvoltura. Assimilada no país, a camiseta passa a depender cada vez menos dos impulsos vindos de fora. Incorporada à maneira brasileira de se vestir, a camiseta assume novos estilos e novas cores e estampas que refletem os atuais modismos urbanos e o desejo de moda do brasileiro. Ela pode ser usada de qualquer maneira, com quase todo tipo de roupa. Milhares de produções podem acontecer. Pode vir acompanhada de um jeans, de uma saia, de um short, pode passear por lugares mais elegantes com um bom blazer e um bom sapato. Pode transitar por corpos masculinos e femininos. Aliás, essa é uma de suas grandes armas: ser unissex. Arma bastante usada quando, na década de 60, a moda unissex toma força e torna a camiseta um símbolo tanto de masculinidade quanto de feminilidade.

A força da camiseta na moda é tão grande que em diversos países há estilistas especializados na peça, os camiseteiros. Adriano Costa, um dos mais famosos, conquistou o mundo da moda com suas camisetas com frases irônicas e divertidas. Outra estilista que toma as camisetas como carro-chefe é Rita Wainer, à frente da marca Theodora, lançada em 2003, Rita segue uma linha parecida com Adriano Costa e faz de suas camisetas veículos para frases como “Que me cortem os pés, tenho asas” ou “Não me venha com confidências”.

A camiseta conquistou as pessoas e o mundo da moda com sua simplicidade e suas mil maneiras de aparecer. Não precisaremos esperar as próximas temporadas de desfiles para saber se os estilistas vão ou não colocá-las em suas coleções ou se algum formador de opinião decretará seu fim. O melhor a fazer é garantir no guarda-roupa o maior número possível de T-shirts. Elas, com certeza, serão as peças mais usadas nesta e nas próximas estações.

No Mercado

O mercado brasileiro de camisetas apresenta volumes nada desprezíveis. Entre grifes que cobram R$ 200 reais por uma peça e outras que as vendem por preços populares, o Brasil comporta a produção e a venda de, aproximadamente, 750 a 800 milhões de peças anualmente, gerando mais de 500 mil empregos diretos. Fazendo as contas, cada brasileiro teria uma média de oito novas camisetas por ano, uma proporção que muitos segmentos estão longe de alcançar; peças básicas como cuecas e calcinhas não chegam a um terço disso. Seria praticamente impossível dimensionar o tamanho do complexo produtor de camisetas, já que poucos podem ser considerados grandes fabricantes. Há uma parcela bem expressiva de médios e uma assombrosa quandidade de pequenas empresas ou micro- confecções.

Pesquisas apontam que, deste número aproximado de 750 a 800 milhões de camisetas produzidas por ano, 65% delas são de malhas de mangas curtas, 20% de malhas sem manga e 15% são de malha de manga longa. Cerca de 50% deste mercado é das peças com gola careca, 10% das de decote regata, 15% das camisas tipo pólo e 25% de outras variações.

É um mercado que tem seu consumo distribuído entre homens e mulheres, com uma proporção de aproximadamente 70% para o público masculino e 30% para o feminino. As classes A e B respondem por 35% das vendas, a classe C por 40%, sendo o restante dividido entre as classes D e E. O consumo por faixa etária revela um público predominante de jovens: 25% dos consumidores são crianças até 10 anos, 45% são jovens dos 11 aos 24 anos, 20% de 25 a 34 anos e 10% acima de 35 anos.

Embora não se delineiem com clareza os rumos da política econômica para os próximos anos, os fabricantes de camisetas se ressentem bem menos do que os demais empresários do setor de confecções. De uma maneira geral, todos se alegram com as perspectivas que se abrem para esse mercado no futuro próximo, não apenas por se tratar de uma peça que resiste às mudanças de tendências da moda, mas pelo fato de o produto ter uma tradição de sobreviver às mudanças do poder aquisitivo de seu público e pela ampliação no volume de exportações.

Numa época em que o poder econômico do consumidor está cada vez mais baixo, a camiseta se torna uma alternativa atraente de vestimenta e, por essa e outras razões, continua ganhando cada vez mais espaço nos guarda-roupas.

Conclusão

Como dito no início, a escolha do tema aconteceu à partir da ideia de não querer abordar algo segmentado e restrito a um único público. A camiseta fala com todos, em todos os lugares, e este foi, para mim, o ponto mais interessante de tudo.

Confesso que a ideia inicial era apenas a de mostrar a história da camiseta. Mas no meio do percurso, por conta de dados importantes encontrados na pesquisa, foi preciso mudar o foco e fugir da cronologia. Era preciso mais do que uma linha do tempo para traduzir a importância da camiseta, que, também confesso, é muito maior do que podia imaginar.

Muito mais que uma peça de roupa, a camiseta é, acima de tudo, um símbolo de democracia. Ela veste homens, mulheres, jovens, crianças, adultos, velhos. Veste ricos e pobres, gente que gosta de moda, gente que não liga pra ela. Ela pode ser usada para trabalhar, estudar, para se divertir num parque ou numa boate. E o melhor: nunca sai de moda.

Em outros aspectos, como a economia, o marketing ou mesmo a arte, como vimos, a camiseta tem sua importância calcada em bases sólidas. É o foco de grandes empresas e grandes campanhas de vendas, assim como está presente nas artes com grande desenvoltura. O cinema e a música foram influenciados e influenciaram, contribuindo para estabelecer a camiseta no vestuário de uma vez por todas.

 

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